Em busca de identidades

13 setembro 2005

I miss only, and then only a little, in the late afternoon, the sudden white laughter that like heat lightning bursts in an atmosphere where souls are trying to serve the impossible. My father for all his mourning moved in the atmosphere of such laughter. He would have puzzled you. He puzzled me. His upper half was hidden from me, I knew best his legs.

Ora bem, existe uma literatura fantástica em língua portuguesa?

As respostas serão eventualmente encontradas dentro de alguns meses, quando a presente antologia saltar do seu presente estado quântico de indefinição e assumir uma forma concreta. Quando for observada (um estranho e interessante processo, singular na Natureza e, que saibamos, em todo o universo, no qual um evento do mundo físico é assimilado numa plataforma electro-química – o cérebro – sujeita a um processo de armazenamento e leitura. Hmm...).

Cada leitor encontrará a resposta que procura. Cada leitor então aperceber-se-à da verdadeira natureza da pergunta. Douglas Adams estava cheio de razão.

Não vos vou responder, porque a única resposta que pretendo é a que me foge ao alcanço. Como um caçador que se insatisfaz ante o disparo certeiro. Em tudo o que li e tenho lido para esta antologia, não me aproximo mais dela, embora lhe perceba contornos já suspeitados.

O que se torna claro e evidente, quase sem esforço, é perceber o que não é a literatura fantástica em língua portuguesa: é quando esta tenta, a todo o custo, realmente sê-la.

Aqui se evidencia um problema básico da literatura europeia, que é um efeito secundário da solução para outro problema, menos nobre, o de saber como fazer chegar rapidamente um livro ao público que melhor o apreciará. No meio existe uma história sórdida e cada vez mais sofisticada de objectivos anuais de vendas, quotas de mercado, eficiência de custos e o palavrão do lucro, o orgasmo dos seres financeiros. O efeito secundário chama-se género. E o problema é obviamente o de ser o espartilho de quem o segue.

Claro que ao clamarmos por peças de literatura fantástica, estamos a substanciar o pecado. Preferiria pensar que estamos na verdade a afastar histórias banais do quotidiano - as tais que procuram repetir a vivência do dia-a-dia e se imiscuem numa introspecção que rejeita a realidade do mundo, o dito mainstream (mais um pecado). Mas sei bem que ninguém interpretará desta forma, que quem entrar na antologia, e pior ainda, quem escrever para ela, chegará cheio de preconceitos, ou seja, juízos feitos antes de conhecer a dita cuja. Os preconceitos que tentamos rejeitar na sociedade e fazê-la aceitar o indíviduo num regime meritocrático, é o preciso processo que aplicamos na arte. Apenas aceitamos na nossa casa a arte de que gostámos. À que odiamos, fechamos os olhos.

Se isto é triste no que toca a atingir públicos, pior é quando atinge autores. Quer para rejeitar a literatura fantástica, quer para entrar nela. E pior ainda seria se atingisse a nós, editores – mas lamento informar que não surgiu nenhuma história na periferia que nos fizesse debater se seria ou não fantástica. Em que classe colocariam o Centaurian?

Oxalá ainda surja.

E o que tem surgido então?

Duas classes de histórias: histórias que utilizam elementos de um género que se convenciou designar por fantástico, e histórias realmente de fantástico.

A intenção trai o autor. Os mais atentos tentam evitá-la, e é difícil, senão impossível, para algumas histórias perceber o caminho tortuoso e entender as opções tomadas: quem nasceu primeiro, a vontade que a história fosse de fantástico, ou a inevitabilidade de que o fosse?

Ou para ser menos críptico: quero escrever uma história de «literatura fantástica». Tenho um imaginário de histórias conhecidas, desde a infância, que sempre vi referenciadas como «fantásticas». Separo o que são dragões, cavaleiros e fadas do que é tecnocracia e atitude positivista, e ainda do que é a mera vivência no mundo, como ter filhos, gerir um matrimónio e ter um emprego – tudo isto são compartimentos estanques, separados, qual laboratório virulógico. Tenho, diga-se em boa e alta voz, as melhores intenções do mundo. Afinal, sou um gajo porreiro, inteligente. E ninguém afirma o contrário. Tal é, que a história que sai é competente. Tem dragões e fadas onde devia ter, e uma demanda por um anel ou um tomo bolarento, e as minhas viagens no tempo falam de paradoxos, e vampiros fogem das manhãs – e escrevo muito bem, junto as frases, sei construir diálogos. Tenho as melhores intenções do mundo. A história é forte e boa. Ombreia com o que de melhor se faz lá fora. Lá fora, onde os compartimentos são estanques e onde se inventou o espartilho.

Fiz uma história de «viagem no tempo». Uma narrativa de «viagem espacial». Um conto de «guerra interestelar». Uma «fantasia heróica». Uma «fantasia futurista». Estou confortável. Estamos afinal ainda dentro de território conhecido: o menu do McDonald’s do fantástico moderno. Há quem tente ser original e junte duas opções do menu. Mas não mais, pois causará decerto mau-sabor e perturbações gastro-intestinais. Aquilo não foi pensado para ser consumido em forma de mistura...

A resposta à pergunta original assume-se no espelho da mesma. Não interessa saber o que é a literatura fantástica em língua portuguesa. Sabe-se que a que não o é, surgiu precisamente da leitura excessiva das «convenções» do «género» (vejam quantos dogmas...) e da sua aceitação passiva. Os clones literários invadem as prateleiras.

Quantas palavras desperdiçadas, quanto tempo de vida perdido.

E depois, em jeito de conclusão e satisfação, uma luz no horizonte. Porque ainda há histórias realmente fantásticas. Há histórias verdadeiras, narrativas vividas desde a concepção ao parto. Quem berra ao nascer é porque precisa: tem algo a dizer – ou a denunciar.

Essas histórias não nasceram de uma convenção de género. Nasceram como histórias. Porque sim. E não podiam ser contadas de outra forma. Se utilizam dragões, paciência. Se são mecânicos... que interessa? Quem não gosta, não coma. Merda para os géneros e para as classificações dos doutores e para os senhores doutores.

Obrigariam os vossos filhos a ser o que vocês pretendem? Pensam que não haveria resistência? Seriam vocês felizes? Seriam eles?

Em que ponto são as histórias diferentes?

3 comentários:

Anónimo disse...

Embora não percebesse totalmente onde querias chegar (só para aí 85 por cento ;) gostei do texto.

Luis F Silva disse...

Obrigado. Embora tivesse como objectivo que só se percebesse 37,25% ;)

Luis F Silva disse...

Então não me expliquei bem, Alberto. Porque nem sequer se trata do mercadologicamente certo. Estou para além disso. Trata-se de quebrar convenções e pensar na especulação do que se escreve. Por exemplo, todos temos a mania de falar de gadgets tecnológicos diferentes como representações do futuro (um pouco como nas series de tv o look futurista das roupas é sempre o mesmo para toda a gente e não dão lugar à moda) - mas será que no futuro há tecnologia, sequer? Ou que se pensa na tecnologia diferente da natureza? E como é que nos relacionamos com isso?

O meu grande problema não é que não se especule - é que as especulações sejam CÓPIAS ou SIGAM DE PERTO os modelos anglo-saxónicos.

Porque é que uma viagem no espaço à brasileira tem de ser igual a uma americana? Será que os brasileiros não fariam aquilo de forma diferente?

Porque é que uma viagem no tempo à portuguesa aborda exactamente os mesmos problemas que os americanos já esgotaram até ao fim?

Sim, tenho um certo descontentamento, por ver que nenhum autor tem a coragem de pensar "a fc americana e inglesa está errada - vou mostrar-vos como é que se faz" - e claro, teria de fazer muito bem. O que assusta.

Felizmente temos algumas histórias que saem do marasmo e entram no quase excepcional. O que não significa que os outros não sejam muito bons. Mas ser-se muito bom é o primeiro passo.