Das Subtilezas de Construção de uma Antologia

09 agosto 2005

Organizar as histórias de uma antologia é um equilíbrio delicado. É como organizar um espectáculo com cenas e sequências diversas. Música e drama e comédia e apresentações devem suceder-se num fluir orgânico que seja diversificado e faça sentido – a próxima contribuição acrescentando às contribuições anteriores ou negando-as. O objectivo é aumentar a perspectiva, como quem retrocede num plano e se começa a orientar, pela adição de elementos congruentes que concebam uma meta-história, uma ficção das ficções, e revele o fim ulterior do compêndio.

Organizar as histórias de uma antologia que se pretendam originais, de tema livre, com autores de estilos e crenças face ao género fantástico diferentes e contudo comungando da mesma partilha (ou como diria um amigo meu, pergunte-se a uma sala cheia de cristãos as definições de fé e obteremos uma diferente por cada indivíduo), é um desafio acrescido, se nem sequer considerarmos que entre os organizadores estas diferenças irão existir.

Organizar uma antologia é afinal como escrever um romance.

Com esta antologia, não basta dizer que é portuguesa. Não basta dizer que tem de ser, vincadamente, de ficção científica, fantástico, terror, história alternativa, etc – porque poderemos estar a excluir histórias excelentes pelo processo. Não basta dizer que as histórias têm de estar bem escritas e ter enredo – porque ideias boas poderão estar a ser ignoradas. Não basta dizer que utilizaremos o bom senso na escolha final – porque o bom senso engana e pode levar a escolher histórias que ficariam melhor numa qualquer outra antologia. Não basta ter uma ideia genérica – tem de ter-se uma visão específica e muito focada.

Ou seja, o caminho trilhado até aqui tem de ser esquecido. Estamos em território absolutamente novo.

Quando iniciámos a senda, era com o objectivo de descobrir a antologia revolucionária do género em Portugal. Revolucionária no sentido em que nos revelará como mais próximos do século XXI do que jamais estivemos. Que nos dirá irmãos de uma Europa que nos temos esforçado por alcançar e correr ao lado. Que mostrará finalmente autores capazes e conscientes de histórias não umbiguistas e não imitadoras directas do modelo anglo-saxónico. E que esta influência se expande além-Atlântico numa aliança pan-linguística.

Nesse sentido, há que adoptar determinadas regras:
1. A ideia deve ser original ou ser apresentada segundo uma perspectiva nova
2. A ideia é obviamente imprescindível
3. A ideia não basta – tem de ser vestida com uma história humana, interessante, explícita, desenvolvida, e madura.
4. Experimentalismos são bem-vindos, mas só se bem sucedidos.

Fantasias celtas? Nem ver! Space-operas com tecnologia feita a martelo e teorias científicas de pastilha-elástica? Lixo! Personagens unidimensionais que não acrescentam nada à história? Riscar! Parágrafos longos e pachorrentos de exposição da ideia do mundo? Destruir! Enredo contraditório e inconsequente? Querias! Estilo de pré-primária do tipo «ele pôs-se de pé e olhou em volta e pensou, Mas que rica manhã no planeta Diógenes»? Voltem prá escola! Nomes de personagens com números?! Pena capital!

Se o conto que acabaram de escrever resultou de uma primeira inspiração, rasguem-no e escrevam de novo. A sério. Usem agora a perspectiva do personagem que menos vos agradou (mas façam-no como se fosse o vosso preferido). Comparem os resultados (vão ficar surpreendidos). Rasguem e façam de conta que estão a contar o mesmo a alguém que está sempre a questionar o que dizem (pensem que contam a crianças) «mas porquê?», «ele fez isso com que razão?», e respondam às questões (vão perceber os buracos), fazendo a pesquisa suplementar necessária. No fim rasguem e contem finalmente a história. Neste ponto já a terão contado tantas vezes que a sabem da memória e vai-vos sair fluida, sem medos ou tropeções, como a história que Mr. Orange conta nos Cães Danados. Vão contá-la de memória, como contam um episódio da vossa vida: confuso nas causas e consequências, mas articulado, com coerência interna. Verídico.

Este desafio é perigoso porque pode assustar os mais impressionáveis. Não deixem que aconteça. Abracem o desafio e surpreendam-nos.

Lembrem-se que o prazo não acabou. Nada está decidido (aparte alguns contos que já sabemos que não farão parte da versão final). Ninguém foi ainda verdadeiramente escolhido.

A bola está do vosso lado.

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